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Cartografia Contemporânea e Novas Tecnologias

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Deixo aqui o capítulo de livro publicado em 2001, no auge da discussão da introdução da cartografia digital no Brasil. Alguns métodos apresentados aqui foram publicados em teses, dissertações e artigos. Como o livro foi publicado em edição pequena no ano de 2001, pesquisadores pediram o texto para citar a fonte. Este texto foi colocado aqui na integra, como foi publicado. Sugiro que a fonte abaixo seja indicada.

ARCHELA, R. S.  Cartografia contemporânea e novas tecnologias, p.41-56 in ARCHELA, R. S.; FRESCA, T. M; SALVI, R F. (org). Novas Tecnologias. Londrina: Ed UEL, 2001. 

Cartografia Contemporânea e Novas Tecnologias

Rosely Sampaio Archela 


Introdução

O uso do mapa como recurso na pesquisa científica, possibilitou a expansão dos horizontes da  Cartografia  contemporânea. Até algumas décadas atrás,  para  listar e processar grandes quantidades de informações durante a compilação de mapas, especialmente de síntese,  encontrava-se muitas dificuldades devido ao acúmulo de dados e informações. Com as novas tecnologias na Cartografia, as dificuldades foram aos poucos eliminadas. Com o aperfeiçoamento dos sistemas de comunicação ocorreu paralelamente um grande avanço da informática, que possibilitou novas formas de registro da informação. Isto  trouxe para a Cartografia novas possibilidades  de realização de mapas e outras  representações cartográficas. Além do tradicional formato analógico o mapa pode ser construído, observado e analisado no formato digital com visualização bidimensional e tridimensional.

CARTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA

As discussões sobre os novos rumos da Cartografia e o  desenvolvimento de novas tecnologias,  culminaram  numa nova definição de Cartografia   pela  Associação Cartográfica Internacional, na qual ela passou a ser considerada como adisciplina que trata da concepção, produção, disseminação e estudo de mapas.  De forma muito sucinta, esta definição coloca a Cartografia  como uma disciplina. A mesma que foi definida no início do século XX como ciência e arte,  nos anos noventa não é mais ciência e nem arte, tornou-se  uma disciplina.

No entanto, a mudança de definições ao longo do tempo, não provocou alterações significativas no modo de pensar dos cartógrafos. Os dualismos ainda persistem, principalmente quanto arte e ciência, ciência e técnica, e revela diferenças que  formam opiniões diversas. Entre as várias definições para a Cartografia, destacamos as seguintes: Fritsch (1990) que a define  como a ciência e a técnicade representações de dados espaciais, incluindo as instruções de como utilizar tais representações cada vez mais transformadas espacialmente, considerando-se os sistemas de informações geográficas.  Joly (1990), como aartede conceber, de levantar, de redigir e de divulgar os mapas. E finalmente Taylor (1994), que define Cartografia como a disciplinaque trata da organização, apresentação, comunicação e utilização da geo-informação nas formas gráfica, digital ou tátil incluindo todos os processos, desde o tratamento dos dados até o uso final na criação de mapas e produtos relacionados com a informação espacial. É interessante observar que apesar dos autores apresentados pertencerem a um mesmo momento histórico de desenvolvimento da Cartografia, apresentaram definições totalmente diferenciadas.

Entre os autores brasileiros, destacamos duas definições:  Barbosa (1967), que  define  a Cartografia  como umaárea  auxiliar para as ciências e Sanchez  (1981), como uma ciência entre as ciências e ao mesmo tempo, um instrumento das ciências que direta, ou indiretamente, se preocupam com distribuições espaciais.

As concepções apresentadas sobre a definição de Cartografia   retratam sobretudo posturas teóricas e metodológicas diferentes. Verificamos ao longo do tempo - principalmente nos últimos anos sob a influência de novos recursos tecnológicos - que o conceito  passou a considerar a possibilidade de elaboração dos mapas e de outros documentos cartográficos, não somente na forma analógica, mas também digital. Isto deu origem à utilização de uma nova linguagem como computação gráfica, cartografia automatizada ou cartografia digital.

No entanto, os princípios básicos permanecem válidos, a Cartografia contemporânea pode ser caracterizada em dois grandes campos - cartografia sistemática e cartografia temática.

O campo da cartografia  sistemática é bem definido. Por razões históricas, é a  ciência  responsável pela representação no plano,  da superfície tridimensional da  Terra no plano.Utiliza  convenções e escalas adequadas visando a melhor percepção das feições gerais da superfície representada. A preocupação central da cartografia sistemática está na localização precisa dos fatos, implantação e manutenção das redes de apoio geodésico, execução dos recobrimentos aerofotogramétricos e na elaboração e atualização dos mapeamentos básicos. Seus mapas podem ser classificados nas três categorias a seguir: 1) Escala grande - mapas urbanos em 1:500, 1:1.000, 1:2.000 e 1:5.000; 2) Escala média - mapas topográficos  em 1: 25.000, 1:50.000, 1:100.000 e 1:250.000; 3) Escala pequena - mapas geográficos em escalas 1:500.000 e menores.

A discussão sobre a definição e o campo da cartografia  temática é relativamente longa e teve início por volta dos anos trinta. Quanto à terminologia, o assunto é polêmico, pois o que é tema para um determinado campo do conhecimento científico, pode não ser para outro. Além disso, os procedimentos de levantamento, redação e comunicação também são diferentes, bem como a formação e especialização dos cartógrafos.

A cartografia  temática aborda a Cartografia como um instrumento de expressão dos resultados adquiridos pela Geografia e pelas demais ciências que têm necessidade de se expressar na forma gráfica. Apresenta como preocupação básica, a elaboração e o uso dos mapeamentos temáticos, abrangendo a coleta, a análise, a interpretação e a representação das informações sobre um mapa base. Importa-se mais com o conteúdo que vai ser representado no mapa do que  com a precisão dos contornos ou da rede de paralelos e meridianos. Os mapas temáticos são representados com a utilização de técnicas mais convenientes, objetivando a melhor visualização incluindos além de mapas,  outras formas de representação como gráficos,  blocos diagramas e croquis. 

Mesmo considerando esta diferença básica entre os dois campos da Cartografia, Sanchez (1981) afirmou  ser impossível estabelecer uma linha divisória entre a cartografia  sistemática e a temática pois, em muitos casos, as diferenças são sutis. Existem áreas de interpretações nas quais a superposição de mapas temáticos e mapas de base são inevitáveis.

Na tentativa de caracterizar a cartografia  temática diferenciando-a da sistemática, apresentamos o quadro 1, baseado em Sanchez (1981). Estas informações evidenciam que a fronteira entre cartografia  temática e sistemática não é tão bem definida. Dependendo da situação, um mapa pode ser classificado como temático ou sistemático. Entretanto, Joly (1990) elucida  esta questão ao afirmar que se convencionou internacionalmente,  adotar o termo cartografia  temática para designar todos os mapas que tratam de outro assunto além da simples representação do terreno.

 Rosa  (1996)  ressalta que em qualquer um dos campos da Cartografia, a coleta, o registro, a análise e a edição dos dados em formato gráfico são operações tradicionais e rotineiras. Embora haja uma estreita dependência da cartografia  temática em relação à sistemática - uma vez que esta fornece a base para todos os tipos de mapas, há uma grande diferença quanto aos métodos utilizados, que sofreram alterações profundas com o advento das novas tecnologias.

Atualmente, mesmo  considerando que a cartografia  temática não seja exclusiva da Geografia, ela está muito mais ligada a ela, do que a cartografia  sistemática e podemos considerá-la como Cartografia da Geografia, apoiados em  Lacoste (1988). Ele deixou claro que não é possível relacionar à Geografia a elaboração de cada um dos diferentes tipos de mapas resultantes de pesquisas realizadas por geólogos,  botânicos e climatólogos entre outros. Por outro lado, ressaltou que se considerarmos conjuntamente os diferentes tipos de mapas temáticos que representam  um mesmo território, parece legítimo, considerá-los como objetos geográficos. Neste trabalho, Lacoste levanta a seguinte questão sobre os mapas:  Por que é necessário procurar considerar conjuntamente as representações espaciais estabelecidas pelas diferentes disciplinas científicas? E responde, enfatizando a relação da Geografia com a Cartografia :  Porque a ação, seja ela do tipo econômico ou militar por exemplo, não se aplica, na realidade, sobre um espaço abstrato cuja diferenciação resulta da análise de uma só disciplina, mas sobre um território concreto cuja diversidade e complexidade só podem ser extraídas por uma visão global.



Cartografia  sistemática



Cartografia  temática


Mapas  topográficos com a representação do terreno

Mapas  temáticos que representam qualquer tema

Atendem a uma ampla diversidade de propósitos

Atendem usuários específicos

Podem ser utilizados por muito tempo

Geralmente os dados  são superados com rapidez

Não requerem conhecimento específico para sua compreensão. Leitura simples

Requerem conhecimento específico para sua compreensão. Interpretação complexa.

Elaborados por pessoas especializadas em cartografia

Geralmente  elaborados por pessoas não especializadas em cartografia.

Utilizam cores de acordo com a convenção estabelecida para mapas topográficos

Utiliza cores de acordo com as relações entre os dados que apresenta

Uso generalizado de palavras e números para mostrar os fatos

Uso de símbolos gráficos, especialmente planejados para facilitar a compreensão de diferenças quantitativas e qualitativas

Sempre servem de base para outras representações.

Raramente servem de base para outras representações.

Quadro 1 - Principais diferenças entre cartografia  sistemática e cartografia  temática



CONTRIBUIÇÕES TECNOLÓGICAS PARA A CARTOGRAFIA


Vários instrumentos e técnicas, alguns utilizados até hoje, tiveram grande importância para o desenvolvimento da Cartografia. As operações fotogramétricas empregadas como instrumento de reconhecimento do terreno, tiveram início por volta de 1860, foram colocadas câmaras fotográficas  a bordo de um balão, e mais tarde substituido pelo avião. 

Muitas práticas comuns no dia-a-dia de profissionais ligados à Cartografia hoje, tiveram origem entre as duas Guerras Mundiais. Com as operações fotogramétricas e o desenvolvimento da aerofotogrametria, em substituição aos tradicionais levantamentos topográficos, os mapas elaborados anteriormente  foram ficando obsoletos, já que os  sensores remotos, a começar pelas câmaras fotográficas, passaram a contribuir cada vez mais para o levantamento de dados e também, no processamento das informações e  mapeamentos.

 A tecnologia de imageadores evoluiu muito nos anos sessenta e setenta, quando foram criados novos sensores e equipamentos a bordo de aviões  e  de plataformas espaciais, chamados de sensoriamento remoto.

 Podemos caracterizar o sensoriamento remoto como um sistema de aquisição de informações composto por subsistemas de levantamento e análise de dados. A aquisição baseia-se na análise do fluxo de energia refletida ou emitida  que é captada pelos sensores  em diferentes faixas do espectro eletromagnético.

Os sensores remotos podem ser classificados quanto à fonte de energia, quanto à  região do espectro em que operam e quanto ao tipo de interação sofrida pela radiação detectada.

Segundo Novo (1988), os sensores remotos podem ser classificados  quanto à fonte de energia em dois grupos:  dos sensores ativos - aqueles que possuem fonte própria de radiação eletromagnética, como o radar e as fotografias obtidas com flash, e o grupo dos sensores passivos - formados pelos que não possuem fonte própria de radiação, dependendo portanto da luz solar para seu funcionamento, como por exemplo os radiômetros, espectoradiômetros e termômetros de radiação.

Quanto à região do espectro os sensores classificam-se em sensores termais, que operam  na região conhecida por infravermelho distante, (entre 7mm* e 15 mm) e sensores de energia solar refletida, que operam no comprimento de onda entre 0,38 e 1,3 mm, nas subregiões: visível, infravermelho próximo e infravermelho médio. Há ainda os sensores de microondas, que se diferem dos anteriores por operarem numa região do espectro caracterizada por ondas de comprimento entre 1 milímetro e 1 metro.

Quanto ao tipo de transformação sofrida pela radiação detectada, podemos classificar os sistemas sensores em não-imageadores e imageadores. Os sensores não-imageadores são aqueles que não fornecem imagens, mas somente informações através de gráficos e tabelas. São essenciais para a aquisição de um conhecimento minucioso do comportamento espectral de objetos da superfície terrestre. Os sensores imageadores fornecem como resultado uma imagem da superfície observada, com informações sobre a variação espacial da resposta espectral. Esta imagem poderá ser resultante da aquisição da cena em sua totalidade num mesmo instante, conhecida como sistema de quadros ou pela aquisição seqüencial de elementos de resolução, chamados pixels, obtida pelo sistema de varredura.

As imagens produzidas são caracterizadas pelas resoluções espacial, espectral, radiométrica e pela largura da faixa imageada. A resolução espacial é a capacidade do sensor de detectar objetos  a partir de uma determinada dimensão. Quanto maior a resolução do sistema sensor, menor o tamanho mínimo dos elementos detectáveis individualmente, como  por  exemplo, o Landsat TM, com resolução de 30 metros, e o  Spot, com 10 a 20 metros. A resolução espectral  expressa a capacidade do sensor em registrar a radiação em certas regiões do espectro. Quanto melhor a resolução espectral, maior o número de bandas que podem ser adquiridas sobre os objetos da superfície. A resolução radiométrica representa a capacidade de discriminar entre diferentes intensidades de sinal ou número de níveis digitais em que a informação se encontra registrada. Finalmente, a largura da faixa imageada é a largura da faixa de varredura, que varia de acordo com o satélite. O Landsat, por exemplo, possui uma varredura de 185 quilômetros.


Os diferentes níveis de aquisição de dados por sensoriamento remoto são definidos de acordo com as altitudes do sensor em relação aos objetos. Basicamente, existem três níveis de coleta de dados por sensoriamento remoto:  nível de laboratório ou campo, nível de aeronave e nível orbital.  No nível de laboratório, pode-se estudar o comportamento espectral quase sem interferência de fatores ambientais, porque a área passível de ser analisada por estes métodos é muito reduzida. No nível das aeronaves, a energia registrada pelo sensor refere-se a um conjunto de objetos detectáveis individualmente, por sua configuração. Este nível engloba levantamentos aerofotogramétricos e aéreos com imageadores.  O nível orbital consiste na obtenção de dados através de sensores a bordo de satélites artificiais. Em cada elemento de resolução do terreno, a energia registrada é a integração da resposta de diferentes objetos.

As diferenças decorrentes dos níveis de aquisição de dados determinam as formas de análise dos dados e, conseqüentemente, o nível de informação. Assim, as técnicas de aquisição e extração de informações para levantamentos, mapeamentos e monitoramentos estão apoiadas nestes três níveis -  laboratorial, aeronaves e orbital, como podem ser observados na figura 1. 

Figura 1 – Aquisição e extração de informações por sensoriamento remoto

          
Fonte: Adaptado de  D. Schmidlin, 1995

As recentes conquistas nas áreas da aerofotogrametria e do sensoriamento remoto vêm mudando a Cartografia, não em seu objeto de estudo, mas quanto à adoção de novas metodologias e técnicas que fazem evoluir os conceitos estabelecidos anteriormente.
Atualmente são várias as tecnologias disponíveis para a Cartografia, mostra a figura 2.  No entanto, as mais utilizadas em cartografia temática vem sendo a cartografia digital, os sistemas de processamento de imagens ligado ao sensoriamento remoto e os sistemas de informação geográfica – SIG. 
Figura 2 –  Novas tecnologias disponíveis para a Cartografia
Organização: Rosely Sampaio Archela, 2000

Cartografia Digital

A  cartografia  digital,  que possibilitou a  transformação da representação da informação do formato convencional analógico para o digital. O mapeamento digital é  um sistema para coletar, classificar, armazenar e gerenciar dados sobre o terreno em forma digital que  possibilita o uso dos dados para inúmeras aplicações.
A facilidade com que se pode converter imagens em dados digitais, e vice-versa, e a existência de um número crescente de algoritmos matemáticos adequados para tais processamentos, torna a cartografia  digital um método de grande potencial e com vasto campo de aplicação nas diversas áreas científicas.

Em muitos casos, a principal fonte de dados de que se dispõe é um mapa topográfico convencional no qual são representadas as curvas de nível, e informações sobre a vegetação,  cursos de água, estradas, cidades, entre outros. Para  utilizar esse mapa em estudos por computador, é necessário transferir cuidadosamente todos os dados contidos nesse mapa para a memória do computador através de scannersde alta precisão ou mesa digitalizadora, e posteriormente tratar os dados, pois a cartografia  digital inclui a obtenção de banco de dados, estruturados com todas as informações do mapa convencional  e o tratamento dos dados para inúmeras aplicações.

Os trabalhos relacionados ao mapeamento digital apareceram primeiramente ligados ao mapeamento fotogramétrico. Segundo Boniface & Autullo (1976), a primeira instituição a utilizar o mapeamento digital em substituição ao mapeamento convencional foi o Ministério dos Transportes e Comunicação de Ontário, no Canadá, sob a direção de M. H. Macleod, no início dos anos setenta. No entanto, os setores que mais se expandiram nos anos oitenta foram o da computação gráfica, e o sistema de informações geográficas, cujo objetivo da aquisição dos dados é a transformação dos dados eletrônicos ou visuais em informações digitais. 

Comparando  a cartografia  digital ao sistema convencional, Abib (1985) apontou as vantagens para a Cartografia  com a introdução desse sistema. Entre as principais, destacou a rapidez e a economia, que apesar do seu alto custo inicial, devido à necessidade de grandes investimentos, o custo por unidade produzida passou a ser menor na cartografia  digital, diluindo rapidamente o investimento inicial. Além dessas, Rosa (1996) enumerou outras vantagens, como a de que as informações podem ser registradas em arquivos magnéticos com níveis específicos para cada tema: hidrografia, vegetação, sistema viário, edificações, curvas de nível, etc., possibilitando combiná-los à vontade, no momento de visualizar ou imprimir o mapa. Isto porque a imagem em formato digital adquire certa independência e versatilidade se comparada ao formato analógico tradicional. As operações como mudar a escala, alterar a cor, apagar ou inserir detalhes ou atualizar feições, são facilmente executadas, utilizando os recursos de edição, geralmente colocados em disponibilidade pela maioria dos softwaresde mapeamento.
As aplicações da cartografia  digital no campo da cartografia  temática são muito amplas. Desde que exista um mapa topográfico, fica fácil escolher os elementos para compor a base cartográfica, e assim as informações temáticas poderão ser hierarquizadas em níveis e testadas segundo diferentes formas de apresentação.
O desenvolvimento tecnológico contribuiu para o surgimento da  cartografia digital,  que se desenvolveu rapidamente, tornando-se uma área totalmente nova na Cartografia. No entanto, essas transformações técnicas que influenciaram diretamente os produtos oferecidos aos usuários,  não nos permitem considerar que a cartografia digital esteja consolidada na Cartografia. Ainda vivemos num momento de transição entre o formato analógico e o digital, principalmente se considerarmos todas as etapas do processo cartográfico, desde o levantamento de dados até a fase final de mapeamento, visualização e utilização.

Processamento de Imagens ligado ao Sensoriamento Remoto


O processamento de imagens ligado ao sensoriamento remoto, muito utilizado pela cartografia  temática. Esta técnica trouxe novos recursos para o tratamento, interpretação e geração de dados com as imagens de satélite. Segundo Rosa (1994), ao se tomar uma imagem em formato digital, normalmente tem-se uma matriz de 512 linhas por 512 colunas, na qual cada célula corresponde a um pixel  com um valor de intensidade de brilho. Este valor, variando de 0 para o preto a 255 para o branco, corresponderá no monitor de vídeo, aos 256 níveis de cinza de uma imagem em preto e branco. A leitura da intensidade de brilho de cada pixel no computador, é numérica e muito mais precisa e refinada, se comparada com pouco mais de uma dezena de tons de cinza perceptíveis visualmente. Ressalta que com a utilização de software adequado para o processamento ocorre uma diminuição da subjetividade do fotointérprete, como também uma ampliação do potencial de informações,  rapidez na obtenção de resultados, facilidades de manipulação e interação com outros procedimentos do geoprocessamento.  

A participação das técnicas de sensoriamento remoto na pesquisa geográfica brasileira foi analisada por Novo (1986), com o objetivo de avaliar as tendências de utilização desses recursos e identificar as áreas da Geografia que precisavam de um maior estímulo para o seu  emprego. A partir da análise da produção científica de geógrafos que empregavam técnicas de sensoriamento remoto no Brasil,  esta autora  verificou que o emprego de técnicas de sensoriamento remoto era maior na área de  geomorfologia. Por outro lado, os geógrafos utilizavam produtos fotográficos convencionais como fonte de dados e não utilizavam as técnicas de sensoriamento remoto orbital e de laboratório. Constatou também que os trabalhos  não apresentavam inovações metodológicas. Alguns anos mais tarde, após um amplo estudo sobre o uso do sensoriamento remoto no mapeamento geomorfológico brasileiro, Marques et al(1993), concluíram que embora  alguns sistemas de tratamento de dados digitais de imagens de satélite estivessem disponíveis, seu uso para mapeamentos geomorfológicos continuava restrito a poucos pesquisadores. Outra pesquisa nesta linha, realizada por Ribeiro (1998), também demonstrou que pouca coisa evoluiu neste sentido.


Sistemas de Informação Geográfica – SIG


O SIG, pode ser caracterizado como um sistema auxiliado por computador para aquisição, armazenamento, manipulação análise e visualização  de dados geográficos.  
Os sistemas de informações geográficas combinam os avanços da cartografia  digital, dos sistemas de manipulação de banco de dados e do sensoriamento remoto, com o desenvolvimento metodológico da análise geográfica, para produzir um conjunto distinto de procedimentos analíticos que auxiliam no gerenciamento e na atualização constante das informações disponíveis. 
Num conceito mais amplo, o SIG além de software, compreende todo um conjunto de dados gráficos e não-gráficos  adequadamente armazenados em um ou mais bancos de dados, organizados e estruturados com lógica para responder a questões predeterminadas. Porém,   Rosa  (1995) ressalta que não existe um modelo padrão, capaz de resolver todos os problemas, executar todos os tipos de representação gráfica ou atender todas as necessidades dos técnicos e entidades que utilizam estes recursos. A escolha de um sistema deve ser pautada pela definição de objetivos, das necessidades do usuário e análise da estrutura organizacional da instituição na qual deverá ser implantado. 
Na verdade, o objetivo  de um SIG é servir de instrumento para todas as áreas do conhecimento que fazem mapas, possibilitando integrar em uma única base de dados as informações representando vários aspectos do estudo de uma região. Além disso, permitir a entrada de dados de diversas formas, combinar dados de diferentes fontes, gerar novos tipos de informações e possibilitar a geração de   documentos gráficos de diversos tipos.
O SIG pode ser considerado um dos instrumentos de grande utilidade para o planejamento e gestão, uma vez que  possibilita  avaliar  tendências do crescimento urbano, definir os avanços de redes de infra-estrutura, definir locais estratégicos para a instalação de postos de saúde, hospitais, creches, escolas, áreas de lazer, áreas potenciais de ocupação residencial e industrial, avaliar a percentagem de cobertura vegetal natural e cultivada pelo homem, determinar a extensão de áreas industriais, residenciais, e agrícolas entre outros. Dessa forma, tem-se um sistema de gerenciamento de banco de dados acoplado à facilidade de mapeamento temático. Porém, a utilidade de um SIG dependerá fundamentalmente de sua capacidade para manter os dados atualizados, completos e acessíveis.

O cerne do sistema é o banco de dados, como mostra a figura 3, que em síntese é uma coleção de mapas e de informações associadas, na forma digital, no qual o banco de dados representa as características da superfície do terreno, composto por dois elementos: um banco de dados especiais, que descreve as características geográficas da superfície do  terreno, e um banco de dados de atributos, que descreve as qualidades dessas características.

 



 Fonte: Calijuri & Rohn, 1995

O  SIG não é simplesmente uma ferramenta para a realização de inventários de informações. Pode ser utilizado para simular e testar modelos ou estimar situações. Segundo Calijuri & Rohn (1995), um SIG deve conter os seguintes componentes: a) um subsistema de aquisição de dados, que colete ou processe dados espaciais derivados de mapas disponíveis, imagens de satélites, etc.; b) um subsistema de armazenamento e recuperação que organize os dados espaciais, de modo a permitir um rápido acesso pelo usuário para subseqüente análise, bem como a atualização e correção do banco de dados espaciais; c) um subsistema de manipulação e análise de dados que realize uma variedade de tarefas, tais como produção de estimativas, modelos de simulação, etc.; e d) um subsistema de relatório de dados que seja capaz de apresentar todo o banco de dados original, ou parte dele, bem como os dados manipulados, fornecendo uma saída de modelos espaciais na forma de tabelas, mapas ou figuras.

O SIG executa uma série de programas que permitem obter superposições, transformações, desenho de novos mapas e cálculos. Isto possibilita a tomada de decisões em diferentes níveis, com grande objetividade e de maneira confiável, propiciando, sempre a análise a partir da informação geográfica ou seja, referida ao espaço ou georreferenciada. Segundo Lombardo & Machado (1996), os dados primários são mantidos em forma de conjunto estruturado logicamente, de forma tabular, evitando assim sua perda. No entanto, sóé possível implementar um sistema geográfico de informações espaciais em regiões que apresentam mapeamento concluído ou com cobertura de imagens de satélites.


IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA A CARTOGRAFIA


De maneira geral, devemos reconhecer que as contribuições  tecnológicas recentes para a Cartografia, como o desenvolvimento do sensoriamento remoto e do geoprocessamento, permitiram a transformação da coleta, tratamento, armazenamento e  atualização dos dados, como também  a elaboração de gráficos e mapas com maior rapidez e menor custo, possibilitando uma valorização da linguagem gráfica, do audiovisual e da multimídia. Tudo isto num momento em que também vêm ocorrendo grandes transformações no espaço físico, social e cultural que se refletem no cotidiano de todas as pessoas.

A evolução tecnológica na Cartografia  tem sido muito rápida. Até mesmo os especialistas   acompanham os avanços com certa dificuldade.   A cada dia surgem novos produtos cartográficos,  jamais produzidos pelas idéias ou técnicas tradicionais.  Os mapeamentos por computador e os sistemas de informações geográficas continuam explorando novos caminhos de aplicação com grande rapidez no processamento, na capacidade de armazenamento de dados, na flexibilidade de compilação e na visualização da informação. Segundo Kanakubo (1993), as mudanças filosóficas e técnicas são apenas o início de uma revolução da Cartografia  no método digital, que  vai exigir um amplo arcabouço teórico.

Taylor (1991) chama a atenção para o impacto destas novas tecnologias  na Cartografia. Argumenta que a tecnologia é importante, mas que ela não pode ser a única preocupação para determinar novas direções para a Cartografia. Seus impactos devem ser considerados como um  desafio para a criação de um conceito radicalmente novo. Para ele, o desenvolvimento conceitual e teórico da Cartografia como uma disciplina foi retardado devido a ênfase dada ao mapeamento automatizado e ao SIG que, segundo seu ponto de vista, são técnicas. Ressalta ainda, que apesar da Cartografia  ser uma disciplina aplicada, a necessidade de se desenvolver e manter uma essência teórica não aplicada é inevitável.

Os debates - com enfoques diferenciados enquanto tendências distintas, às vezes até divergentes - apontam em direção a um entendimento da Cartografia como um processo único.  É o que podemos concluir a partir das colocações de Taylor (1994) sobre as direções desta disciplina  a partir do desenvolvimento das novas tecnologias. Para ele, a cognição cartográfica é um processo único, na medida em que desenvolve o uso do cérebro humano para reconhecer padrões e relações no seu contexto espacial.  Ressalta que o conteúdo informacional dos dados só pode ser compreendido, em muitos casos, através da sua apresentação num contexto espacial ou quando esses dados são mapeados.

 Com o desenvolvimento do SIG,  a  comunicação cartográfica também assumiu uma nova importância e novos desafios são apresentados, como a criação de novos produtos para melhorar a eficácia da transmissão da informação e a compreensão do processo de comunicação. Como muitos mapas digitais apresentam formatos bem diferentes dos mapas analógicos, a percepção para as novas imagens  são bastante diferentes daquelas tradicionais, feitas em papel. Entretanto, Taylor afirma que ao nível mundial têm sido feitas poucas pesquisas cartográficas nesta área, apontando a necessidade de uma revitalização da pesquisa e das aplicações no campo da comunicação cartográfica.

As novas tecnologias permitem a permanência de relações interessantes e inovadoras entre a  cognição e a comunicação. Taylor (1994) aponta o campo emergente da visualização - um campo da computação gráfica - como um bom exemplo desta ligação. A representação visual dos dados explora de maneira eficaz  a habilidade do sistema visual humano para reconhecer padrões e estruturas espaciais. Isto pode fornecer a chave para a aplicação crítica e compreensiva dos dados, beneficiando a análise, o processamento e as decisões posteriores. A visualização possibilita uma apreciação de características apresentadas por um conjunto de dados e a representação de aspectos que podem ser visuais por natureza ou não, transformando-os em representações visuais que podem ser melhor compreendidas  pelo usuário.

Sobre a pesquisa em visualização, sugere que assim como  é possível utilizar as imagens como modelos semelhantes ao mundo tridimensional natural, a análise e a comunicação também poderão ser aperfeiçoadas. Afirma que a utilização eficaz da capacidade de análise espacial dos sistemas visuais depende da exploração dos mecanismos do processamento. Para os cartógrafos, esta técnica nova é uma extensão dos métodos para a representação criativa de dados, que tem estado presente na Cartografia  desde tempos remotos.

A visualização é dependente de novas técnicas de análise e representação de dados. Porém, a eficácia de seu uso requer uma consistente fundamentação teórica. É também, um instrumento científico, que requer habilidade artística, imaginação e intuição em sua aplicação. A figura 4 apresenta uma impressão visual dos relacionamentos básicos para a Cartografia, combinados e inter-relacionados de novas maneiras, a partir da introdução das novas tecnologias, elaboradas por Taylor (1994). Ele afirma que é necessário que se dê a mesma atenção aos três lados do triângulo e lembra que embora as novas tecnologias sejam de grande importância para a Cartografia,  os cartógrafos não podem deixar de se preocupar  com a cognição e a comunicação cartográfica.
Figura 4 -  Relações básicas no campo da cartografia

          Fonte: D. Taylor, 1994


Desde o final dos anos oitenta, algumas instituições públicas e privadas envolvidas com a cartografia no Brasil,  vem demonstrando preocupação em relação ao preparo adequado da população, no sentido de utilizar melhor os recursos oferecidos pelas novas tecnologias. Inicialmente, a idéia era promover palestras dirigidas às autoridades governamentais de âmbito federal, estadual e municipal, versando sobre as possibilidades de uso da cartografia  na administração pública e sua utilidade como ferramenta de planejamento, arrecadação fiscal, e controle ambiental, e também promover cursos sobre os procedimentos técnicos para elaboração e leitura de mapas. Na prática, tem ocorrido uma difusão das novas tecnologias através de eventos específicos, entre eles podemos citar o GIS Brasil realizado até 1998 em Curitiba, atualmente, atendendo aos estados da região nordeste do país, e o Geo Digital’96, realizado em São Paulo.
No final de século XX ainda vivenciamos uma transição tecnológica que  se reflete tanto na sociedade de maneira geral como nos centros de discussões da Geografia e de Cartografia.  A diversidade de eventos relacionados à Cartografia  indica que ela  vai se tornando a cada dia mais popularizada.

Na tentativa  de torná-la  mais útil, tem-se buscado uma maior participação da Cartografia  na Geografia, principalmente relacionada ao sensoriamento remoto, cartografia  digital e sistemas de informações geográficas. No entanto, como o ritmo da inovação tecnológica  é muito veloz, às vezes acaba prejudicando tanto o usuário como o pesquisador, que nem sempre conseguem adquirir um conhecimento amadurecido destas tecnologias devido ao grande número de produtos disponíveis.


BIBLIOGRAFIA

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 ARCHELA,  Rosely S. Análise da cartografia brasileira: bibliografia da cartografia na geografia no periodo de 1935-1997. São Paulo, 2000. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo.


BARBOSA, Rodolpho P.  A questão do método cartográfico. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 29, n. 4, p. 117-123, out./dez.1967.


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CALIJURI, Maria  Lúcia;  ROHM,  Sérgio.  A.  Sistemas  de  Informações geográficas. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 1995.


FRITSCH, D. Digital cartography as bases of cartografic information system. In: EURO CARTO CONFERENCE, 8, 1990. Palma de Mallorca. Libro de Comunicaciones. ICA/ACI/Serviço Geográfico del Ejército, 10p.


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KANAKUBO, Tósimo. Principais questões teóricas da cartografia. Trad. por Regina Vasconcellos, ICA, maio, 1993 (texto não publicado).


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